sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Distrito de Xindu convoca mulheres para mudar imagem da polícia urbana. Mas as chengguan femininas têm uma difícil tarefa pela frente.


Como sargento de treinamento urbano, Tang Shenbin caminhava numa praça da cidade, inspecionando severamente seus encargos, emitindo comandos em voz baixa com autoridade militar. Ele queria que os membros femininos dos chengguan – os corpulentos agentes da ordem urbana na China, temidos e odiados por sua inconstante repressão e inclinação à violência – transmitissem uma impressão específica a um grupo de espectadores.
“Fiquem eretas! Olhar penetrante!” Mostrem ao povo, sussurrava ele, “como são as meninas bonitas!”
Quatro meninas recém-saídas da adolescência, usando luvas brancas e idênticas jaquetas e calças verde-oliva, ficaram em posição de sentido. Quatro pares de sapatos se alinhavam com exatidão. Quatro chapéus formais se empoleiravam perfeitamente sobre cabelos presos em arcos de listras brancas e azuis.
“Pessoalmente, acho que elas têm uma aparência comum”, disse Tang, com leve desdém. “Modelos é que são bonitas.”
Mais de um governo já havia tentado retocar a imagem dos inspetores urbanos da China. Uma cidade exigiu que todos os novos recrutas tivessem um diploma universitário. A província de Guangdong trocou o uniforme verde e cinza por um azul, supostamente mais acolhedor.
Wuhan, na China central, substituiu o forte armamento pelo olhar furioso: em 2009, segundo um relatório, 50 policiais cercaram um carrinho de comida indisciplinado, fitando ameaçadoramente por meia hora – até que o ambulante recolheu suas coisas e foi embora.
Xindu, um distrito urbano de 680 mil habitantes em Chengdu, escolheu uma grande reforma a de imagem. Desde 2003, o distrito complementou sua polícia urbana com 13 mulheres, escolhidas a dedo pela aparência, simetria e juventude. A ideia é dar a essa rígida polícia um lado mais suave, feminino.
Infelizmente, até mesmo Scarlett Johansson passaria maus bocados tentando elevar a consideração secreta da China por esses esquadrões urbanos.
E com bons motivos, argumentariam os críticos. Ao contrário da polícia comum, esses agentes só podem impor leis municipais aplicando multas e outras penalidades administrativas. Porém, a mídia chinesa retrata rotineiramente uma realidade diferente.
Em janeiro de 2008, inspetores da província de Hubei espancaram um espectador até a morte, depois que ele usou um celular para filmá-los oprimindo um protesto contra um depósito de lixo. No ano passado, um manual de treinamento para inspetores de Pequim, furtado e divulgado na internet, descrevia como bater eficientemente em infratores sem arrancar sangue.
Neste ano, um vendedor de melancias em Xangai sofreu danos cerebrais após uma luta com cinco agentes. Um videogame recheado de violência, disponível para download na internet, mostra inspetores chineses atacando vendedores de rua.
“Os chengguan deixaram uma cicatriz no governo”, lamentou no ano passado o “China Daily”, depois de mais uma controvérsia a respeito das táticas. O artigo exigia uma “limpeza verdadeiramente completa”.
Os céticos afirmam que a postura local passa longe disso. Depois que o distrito divulgou as oito vagas para recrutas femininas, em outubro, um editorial do jornal “The Beijing Evening News” questionou se as mulheres possuiriam obrigações reais ou seriam simplesmente distrações cênicas. A resposta parece ser um pouco de cada. O anúncio de vagas do distrito pedia por candidatas mulheres entre 18 e 22 anos, com uma boa imagem e “as cinco características faciais adequadamente dispostas”. Elas deveriam ter uma altura acima da média – ou mais que 1,6m.
A aposentadoria é obrigatória aos 26 anos. As autoridades argumentaram que o trabalho era fisicamente árduo demais para mulheres acima de 25.
“Sua imagem é o que importa”, escreveu um funcionário municipal anônimo no Rednet.com, um site semi-governamental. “Primeiro, as qualidades exteriores das candidatas irão determinar se elas servem, como altura, peso, traços do rosto, etc.” Em seguida vêm o temperamento e as “qualidades interiores”.
As chengguan femininas são como vasos de flores, disse ele, acrescentando: “Além de serem vasos, elas terão outras responsabilidades”.
Zheng Lihua, diretor adjunto do escritório de gerenciamento municipal do distrito, não se mostrou ansioso por confirmar essa descrição. Porém, lembrou que os requisitos de altura eram comuns em muitos anúncios de emprego na China, para ambos os sexos. Assim como a exigência de traços faciais harmoniosos.
Se isso significa ter boa aparência é um ponto de debate entre os chineses. Certamente, os inválidos e desfigurados nem precisam se candidatar.
“Não podemos permitir que um aleijado ou corcunda sirva aqui”, disse Zheng. “Sua imagem não seria boa.”
Liu Yi, que patrulha a Praça Baoguang, perto de um monastério, tem 22 anos, bochechas de maçã e uma boca elegantemente curvada. Ela não considera a ênfase em sua aparência como algo sexista.
“Você acha que fico sexy neste uniforme?” perguntou ela, com um olhar irônico. Com um sorriso de covinhas, sua colega de trabalho Xu Yang, de 21 anos, completou: “Nosso trabalho é apresentar a imagem da cidade.”
Elas também não contestam a curta duração de seu emprego, segundo elas, pois nutrem ambições profissionais maiores do que simplesmente empurrar vendedores aos becos onde eles deveriam manter seu comércio. A cada manhã, o esquadrão afugenta diversos ambulantes que perambulam a pé ou de bicicleta, tentando vender o máximo possível de pãezinhos ou tigelas de tofu antes de serem expulsos.
“Mestre Wang, o senhor precisa ir embora. Já lhe dissemos muitas vezes!”, disse Xu enquanto um vendedor fugia a pé, desertando temporariamente sua barraca de macarrão montada sobre uma bicicleta.
As agentes descrevem sua função como mais monótona do que extenuante.
“É a mesma coisa todo dia”, disse Huang Jing, de 20 anos, que estuda marketing em suas horas de folga. “Pura rotina.”
Uma razão é que as agentes femininas não possuem a força de seus colegas homens para confiscar os bens de ambulantes. Elas só podem ameaçar reportar os infratores a seus supervisores homens. Isso tende a protegê-las das súbitas exibições públicas de animosidade contra o funcionalismo, tão comuns em todo o país.
Neste ano, centenas de cidadãos em Kunming, a capital da província de Yunnan, realizaram manifestações após falsos rumores de que agentes chengguan haviam assassinado um vendedor. Mais de uma dúzia de agentes da polícia ou dos chengguan ficaram feridos nesse episódio noturno; 14 veículos governamentais foram tombados ou incendiados.
Até agora, Xindu escapou dessa violência. Mas a tranquilidade não está garantida. A apenas duas quadras da calma Praça Baoguang, onde as agentes femininas patrulhavam naquela manhã, um grupo com mais de 50 pessoas se reunia numa esquina.
Agentes haviam confiscado uma motocicleta que estava sendo consertada na calçada em vez de dentro de uma oficina, conforme manda a lei. O dono da moto se lamentava. Seguiu-se uma discussão de 15 minutos até que os agentes, com expressões ameaçadoras, abriram caminho até seus veículos e saíram em disparada – levando a moto e seu proprietário.
Li Xuedong, de 40 anos, um coordenador ligado ao esquadrão masculino, ficou para trás, com o distintivo branco dobrado para ocultar seu nome. Assim como as agentes femininas, os coordenadores – homens de 40 anos ou mais – desempenham uma função puramente de apoio.
Diferente delas, elas não são treinados para manter uma imagem educada.
“Algumas vezes nós brigamos verbalmente. Em outras, brigamos fisicamente”, contou Li. “Na maioria das vezes, é o povo que começa.”

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