sábado, 27 de novembro de 2010

Digas do Português

1.    A riqueza dos neologismos
O uso de neologismos (=palavras novas, sem registro em nossos dicionários) é sempre um assunto polêmico. Há aqueles que rejeitam qualquer novidade e aqueles que “topam tudo”.
A criação de novas palavras é comum em qualquer língua. É bastante saudável. Há um enriquecimento vocabular e comprova o caráter evolutivo das línguas vivas.
O problema é o modismo, o exagero, o termo desnecessário.
E aqui está, novamente, a dificuldade de ser moderado. O que aceitar ou não? É uma questão muito subjetiva. Mais uma vez estamos diante de um assunto que não pode ser tratado na base do certo ou do errado. Na minha opinião, é uma questão de adequação.
Voltemos ao famoso caso do IMEXÍVEL. Teoricamente o processo de formação da palavra é aceitável: raiz do verbo MEXER + prefixo “i” (=negação) + sufixo “vel” (=possibilidade). Imexível = o que não se pode mexer. Seria o mesmo caso de insubstituível, invisível, invencível, indestrutível… Na prática, entretanto, temos um problema: devido à “fonte criadora”, a palavra imexível carrega consigo uma carga pejorativa, o que torna o seu uso inadequado em determinadas situações. Não acredito que eu venha a encontrá-la em algum texto sério cuja linguagem seja mais formal.
Curiosamente, muitos neologismos são verbos, como ELENCAR, ALAVANCAR, IMPACTAR e outros. Não vejo necessidade de “elencar”, se podemos LISTAR, ENUMERAR, REUNIR, SELECIONAR… Para que “alavancar”, se podemos IMPULSIONAR, ELEVAR ou LEVANTAR?
É importante lembrar que o verbo ALAVANCAR está devidamente registrado em vários dicionários.
Quanto ao IMPACTAR, o problema é outro. No dicionário Michaelis, IMPACTAR significa “tornar impacto, introduzir em outra coisa de modo que seja impossível retirar, penetrar de modo irreversível”. Entretanto, no meio empresarial, encontramos um uso no mínimo duvidoso: “Esta medida está impactando a nossa empresa”. Isso pode ser bom ou ruim. Eu não sei se a carga do verbo impactar é positiva ou negativa.
Para mim, mais importante que a palavra existir ou não em nossos dicionários é a clareza da frase. Se a palavra selecionada deixa a frase com duplo sentido, devemos evitá-la, a menos que a ambiguidade seja a nossa real intenção.
Não sou contra os neologismos, e sim contra os modismos. É importante lembrar que muitos neologismos já foram incorporados à nossa linguagem do dia a dia e hoje estão devidamente registrados em nossos dicionários: agilizar, minimizar, posicionar, sediar…
Devemos, portanto, ter cautela tanto no uso quanto na crítica a quem usa.
2.    Neologismos e hibridismos
Não se assuste. Eu explico: já vimos que neologismos são “palavras novas”, que em geral não aparecem em nossos dicionários. Daí a tendência de muita gente afirmar que a palavra não existe.
Muita gente reclama quanto ao uso de palavras como PROPINODUTO, BIOTERRORISMO e SEQUESTRO-RELÂMPAGO, que, segundo nossos leitores, não existem porque não foram encontratadas em dicionário algum.
É importante que se explique que a existência de uma palavra não depende do registro de um dicionário. A palavra existe a partir do momento em que se faz necessária e os falantes passam a utilizá-la normalmente. Cabe, no caso, aos nossos dicionários fazer o devido registro em suas futuras edições.
A palavra nasce de acordo com a necessidade. Assim como toda criança ao nascer recebe um nome, os fatos novos também merecem “um nome novo”. A palavra BIOTERRORISMO só não aparecia em nossos dicionários porque não havia “terrorismo biológico”. É fato novo, em razão disso: tudo contra o bioterrorismo, mas nada contra a palavra BIOTERRORISMO.
Se inventaram um novo tipo de sequestro, por que não chamá-lo de sequestro-relâmpago? Há muito tempo que, no futebol, se usa “gol-relâmpago” e ninguém reclamou até hoje. Só quem toma o gol, é claro.
Quanto ao PROPINODUTO, achei muito criativo. Juntamos a propina com o DUTO, que vem do latim e significa “que conduz”. Daí o oleoduto, que “conduz óleo”, o gasoduto, que “conduz gás” e o viaduto, que “conduz a via”, e não o que algumas mentes maldosas poderiam imaginar.
Quanto ao fato de misturar elementos de línguas diferentes (propina = português + duto = latim; bio = grego + terrorismo = português), nada contra. Isso se chama hibridismo (= mistura de elementos de diferentes origens) e a nossa língua está cheia de exemplos consagrados: televisão (grego+português), sambódromo (português+grego), camelódromo (português+ grego), automóvel (grego+português), decímetro (latim+grego), burocracia (francês+grego), alcoólatra (árabe+grego)…

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