
Foi lançado hoje na América Latina um novo seqüenciador de DNA que usa uma tecnologia inédita de semicondutores para realizar em apenas duas horas o trabalho que antes levava até um dia.
Mais rápido e barato do que equipamentos semelhantes, ele é a aposta da Life Technologies para democratizar o acesso ao sequenciamento de material genético.
A empresa investiu mais de US$370 milhões de dólares na tecnologia por trás do Íon Torrent Personal Genome Machine (PGM). A máquina, lançada em dezembro nos Estados Unidos, vendeu no primeiro trimestre de 2011 60 unidades no mundo. Na América Latina já foram vendidas cinco unidades, antes mesmo do lançamento. Este é o primeiro equipamento de larga escala a ser comercializado por menos de US$100 mil.
O grande diferencial está no pequeno chip que permite que sinais químicos sejam diretamente convertidos em informação digital – basta introduzir a amostra e toda a parte experimental é feita nos semicondutores e seus microsensores. Em seguida, um software faz a análise dos resultados. “Isso possibilita que se troque a capacidade do equipamento trocando apenas o chip”, explica Gianluca Pettiti, CEO da empresa para a América Latina.
Cada novo seqüenciamento exige o uso de um novo chip- que custa entre 500 e mil dólares. “O chip 314, já lançado, analisa até 10 milhões de nucleotídeos; o 316, que sairá em menos de 4 meses, consegue analisar 100 milhões deles, e o 318, que queremos lançar em ainda este ano, terá capacidade de um bilhão de nucleotídeos”, diz o CEO.
Os nucleotídeos, ou bases nitrogenadas, são os elementos que compõem o DNA de todos os seres vivos. Para se ter uma ideia, o genoma humano tem 3,3 bilhões deles, enquanto uma bactéria pode ter em torno de 5 milhões.
Pedaços no semicondutor
O seqüenciador PGM é voltado para trabalhos com microorganismos, vírus ou apenas trechos de DNAs mais longos – como o de humanos. “Ele trabalha detectando a variação dos átomos de hidrogênio”, explica Fernando Amaral, bioquímico da Life Technologies. Por isso, o aparelho dispensa o uso de químicos fortes ou de lasers, como outros modelos convencionais.

O sequenciador no qual o chip é inserido.
A primeira etapa para seqüenciar qualquer material é a preparação: é preciso processá-lo e quebrar a longa sequencia em trechos mais curtos. Atualmente, ele processa de 100 a 150 bases por trecho- mas este número deve aumentar para 400 até o final do ano. No caso de muitos microorganismos ou vírus, é possível analisar até todos os trechos curtos que constituem seu código de uma só vez.
Em seguida, o material recebe banhos seguidos de bases nitrogenadas. “Possuímos quatro tipos bases, ou nucleotídeos, que formam nosso DNA: Adenina, Timina, Citosina e Guanina, cada uma delas representada por suas letras: A,T, C e G”, explica Amaral. A adenina se liga à Timina, e vice versa, e o mesmo acontece entre Citosina e Guanina. “Quando essa base se liga à base do trecho analisado, ocorre a liberação de hidrogênio, e é essa liberação que o chip detecta e armazena”, diz.
Esses banhos acontecem em ordem: um banho de A, um de T, um de C e um de G. Cada ciclo completo de quatro configura um “flow” – e são necessários 65 flows para terminar a análise. Isso ocorre porque as “Letras” do trecho a ser analisado reagem apenas na sequencia: a segunda só pode liberar hidrogênio depois que a primeira já o fez. “Por exemplo, vamos pensar na sequencia AGGTCA. O primeiro banho de Adenina não causa nenhum reação, pois a Adenina só se liga à Timina (T), que está apenas em 4º lugar na fila”, explica o bioquímico. “Já segundo banho, o de Timina, faz com que ocorra a liberação de hidrogênio na primeira letra – A. Qualquer outro A da fileira terá que esperar uma próxima vez, pois as coisas só acontecem em sequencia. O terceiro banho, de Citosina, vai fazer com que haja liberação de hidrogênio em duas bases – os dois G, pois eles estão um ao lado do outro. E assim por diante”.
Essa variação de hidrogênio permite ao software compreender onde está cada base e, assim, “ler” o código genético. O processo todo leva apenas duas horas – enquanto seqüenciadores tradicionais levam até 24 horas.
O PGM não é indicado para a análise de material genético desconhecido. Ele foi desenvolvido para que pesquisadores pudessem selecionar trechos que gostariam de analisar e comparar as descobertas ao DNA já seqüenciado de seres vivos. Hoje em dia, essa informação sobre as criaturas – inclusive os humanos- é bastante acessível. “Seqüenciar coisas novas exige outro tipo de equipamento, capaz de lidar com 300 bilhões de nucleotídeos”, explica Amaral.
Apenas comparar o material genético de um indivíduo com o que é considerado a “base” de sua espécie pode parecer algo “menor” do que o seqüenciamento completo de um organismo. No entanto, essa comparação é importantíssima. Na verdade, ela é que pode permitir, no futuro, o desenvolvimento da chamada Farmacogenética – medicamentos baseados na composição genética dos indivíduos.
Remédios e genes
Por que algumas bactérias são mais agressivas? Por que uma pessoa reage a um medicamento, enquanto o mesmo parece não surtir efeito em outra? Por que alguns pacientes têm tantos efeitos colaterais com determinadas quimioterapias?
A resposta para essas e outras perguntas está no DNA. Imagine um paciente com leucemia que não reage à medicação. Os pesquisadores podem pegar o DNA do paciente, retirar apenas o trecho que a literatura indica estar relacionado à doença e analisá-lo. “Essa medicina personalizada é pensada para agir na proteían que aquele gen codifica, e não no gene em si”, diz Flávio Amaral. Assim, no futuro, poderia haver diferentes variações de um mesmo remédio, para a mesma enfermidade, cada um voltado para um grupo de pessoas com determinadas características genéticas. Isso não só aumentaria a eficácia, como diminuiria os efeitos colaterais. “Mas isso depende não só do material seqüenciado, mas da capacidade de interpretar os dados obtidos e, claro, de uma série de outros fatores – como investimentos na área e legislação”, diz o bioquímico.
Vale lembrar, no entanto que, no Brasil, os seqüenciadores são exclusivamente para uso em pesquisas e não são destinados a fins terapêuticos. Isso significa que é permitido usá-los apenas para estudar humanos ou animais, e não para realizar diagnósticos. Em outras partes do mundo, outras legislações são mais flexíveis quanto ao seu uso.
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